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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Resenha de "As origens e a evolução do conceito de tolerância", de Mauro Maldonato


Mauro Maldonato é um psiquiatra, filósofo e ensaísta italiano. Intelectual preocupado com conflitos humanos e as razões de seu comportamento no mundo, o autor escreveu o artigo "As origens e a evolução do conceito de tolerância", onde traça uma linha histórica de transformação deste importante conceito ao longo dos contextos históricos, trazendo novas perguntas bastante pertinentes em torno da "tolerância", sem cair no lugar-comum em momento algum.

Logo nas primeiras reflexões já é feito um paralelo entre a forma que a tolerância é encarada na atualidade e a forma que deveria ser, que seu significado pressupõe e, a partir disso, pode-se fazer uma ponte com o que é dito mais para o final do texto. O que Maldonato pondera é que este conceito é visto sob a ótica de uma "coexistência pacífica", como ele mesmo diz, onde há a concessão ao espaço do Outro - e aqui peço a licença de por em maiúscula em favor da simbologia da palavra - de forma a suportar que este tenha garantidos sua liberdade e direito, enquanto que estes são intrínsecos ao homem no que concerne a sua identidade; e é aí que entra uma contradição, pois a tolerância ja seria algo despótico, como observa o tribuno Mirabeau em sua citação transcrita no texto de Maldonato: "a existência da autoridade que tem o poder de tolerar ameaça a liberdade de pensamento pelo próprio fato de que ela tolera, e que, portanto, poderia não tolerar" (1789); a ponte com o final do artigo começa aqui, pois entra o papel da "autoridade", do Estado: como ele não é capaz da garantir o natural espaço para os indivíduos dentro da sociedade, ele impõe determinadas culturas através de suas leis que passam apenas pela visão única e fixa de um grupo fechado que as cria, uniformizando as variedades e diferentes formas de pensar. É dessa forma que a tolerância assume o equivocado sentido de indulgência, algo em que está implícito uma pretensiosa superioridade de um sujeito que doa um espaço, que deveria ser natural e imediato, a outrem.

Essa união de diferentes culturas, chamada pelo autor de "relativismo multicultural" tem implicações também na área da educação, das artes e do conhecimento - e, por que não, dos direitos humanos, já que ele está atrelado a esses outros valores - já que "o relativismo multicultural fornece álibi a quem é indiferente à necessidade (e ao prazer) de pensar", nas palavras de Maldonato; igualando todos os tipos de produção, há um déficit na hierarquização da grandeza da arte: "se tudo é semiótico ou sociológico significa que a relação entre os signos e os contextos prevalecem sobre o poder, a intensidade, a grandeza do pensamento e da criação artística ou literária".

Sem dúvidas, o conceito de "tolerância" é assaz dúbio, o que nos leva a mais um impasse: após ter se originado como permissão às transgressões às regras na Idade Média, ter se abrangido para liberdade de crença religiosa e em seguida ter aberto campo para reivindicações de igualdade civil e política durante a época revolucionária do século XVIII, a tolerância agora abraça diferentes culturas num misto dos mais diversos costumes que nos levam a perguntar: quais são os limites para a tolerância? Pois muitos indivíduos se utilizam de uma falsa liberdade de expressão em seus discursos como álibi para incitar o ódio ou a injustiça; então, deve-se tolerar agressões à própria dignidade humana pela covardia de se separar o certo do errado?

A tolerância é, certamente, um antídoto para a barbárie e agressões de toda espécie, mas, de tão embaraçosa, pelo simples fato de existir já suscita também a possibilidade do seu oposto, a intolerância, já que uma tênue linha separa ambas, linha essa que pode ser cortada pelo despotismo da autoridade que pode simplesmente escolher não tolerar, ou impor a alteridade pela indulgência.

Douglas P. Coelho

Para ler o texto completo de Mauro Maldonato com tradução de Roberta Barni, clique AQUI.

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